Um gole de contexto
Antes do primeiro aroma subir da taça, lembro que inovação coletiva não é um ato solitário. Assim como o vinho, ela é feita de encontros: solo e clima, método e acaso, pessoas e propósito. O que dá corpo ao resultado não é um elemento isolado, mas a conversa — paciente e às vezes áspera — entre diferenças. O resto é rótulo.
O terroir invisível
Costumamos chamar de “novo” tudo que brilha, mas inovar começa pelo reconhecimento do terreno. No vinho, o terroir é a soma do que não cabe no rótulo: relevo, ventos, mãos que cuidam, história do lugar. Nada ali é copiável.
Nos negócios, tentamos importar climas e plantar variedades improváveis. Construímos hubs como quem ergue estufas: temperatura controlada, discurso impecável, raiz superficial. Funciona na vitrine, esvazia no paladar.
Inovação coletiva pede escuta do contexto. É quando cada parte do ecossistema entende seu papel no todo que surge complexidade verdadeira. Não é a uva. É a interação.
A fermentação da colaboração
Fermentar é um pacto com o tempo. Não é controle, é processo. O produtor prepara o ambiente e aceita que o invisível também trabalha.
Na colaboração acontece o mesmo. Empresas, universidades, governo e gente comum formam um caldo vivo. Há tensões, ruídos e desacordos. É desse atrito que nascem camadas de sabor.
O problema é que vivemos a era dos vinhos apressados — e das ideias instantâneas. A pressa virou virtude, o tempo virou custo. Queremos resultado sem convivência, ecossistema sem raiz, inovação sem desconforto.
Só que a pressa mata a fermentação. O que não respira, não estrutura. Colaborar não é dividir tarefas; fermentar junto é dividir sentido. Quando o sentido é partilhado, a disputa por protagonismo perde graça e a obra passa a importar mais do que a assinatura.
O engano da escala
Em algum ponto trocamos transformação por movimento. Escalamos eventos, fotos, releases. Crescemos em quantidade de iniciativas, não em densidade de relações.
Ecossistemas maduros medem-se pelo que não faz barulho: confiança entre atores, continuidade entre ciclos, aprendizagem que atravessa projetos. O vinho amadurece na quietude da adega, não no marketing da prateleira.
A “inovação de vitrine” é colorida, volátil e leve na boca. Passa rápida, não sustenta a refeição. O que transforma, ao contrário, cresce de dentro para fora e busca equilíbrio mais do que holofote.
A maturação da prosperidade
Falamos muito de lucro, pouco de prosperidade. A diferença é discreta, mas funda: lucro é resultado; prosperidade é consequência. Lucro mede um ponto; prosperidade descreve um percurso.
Um hub que gera startups produz números. Um hub que conecta cadeias produz futuro. Quando a inovação coletiva funciona, os elos sobem juntos — conhecimento circula, fornecedores ganham fôlego, territórios retêm valor. No vinho, a boa nota do crítico também pertence ao ecossistema: solo, clima, gente.
Líderes, nesses contextos, atuam como enólogos sociais. Identificam potencial do território, protegem o tempo da fermentação, orquestram interações e resistem ao atalho do “lançar por lançar”.
O tempo de decantar
Há um instante em que o vinho precisa encontrar o ar. Nem fervura, nem repouso: decantação. Ideias também pedem esse respiro. Saem do laboratório, tocam a realidade, perdem espuma, ganham clareza.
Vivemos tempos de servir tudo cru: decisões, produtos, opiniões. Talvez o futuro pertença a quem souber esperar o ponto. Decantar é humildade — separar sedimentos, reconhecer o que não deve ir à mesa — e esperança: do outro lado da paciência, moram equilíbrio e nitidez.
Um brinde ao essencial
No fim, a pergunta não é se inovamos, mas como. Queremos ecossistemas ou vitrines? Densidade ou velocidade? Prosperidade ou performance momentânea?
Sei, por experiência, que inovação coletiva expõe o que o tempo, o cuidado e o encontro conseguem transformar. E o tempo — quando respeitado — devolve profundidade. É isso que fica na taça e nas organizações que insistem em durar.
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Alexandre de Salles
Conheça a visão do autor em Sobre Alexandre.
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